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Preconceito, intolerância religiosa e burocracia são obstáculos de terreiro de Candomblé

Na tarde da última terça-feira, 13 de abril, a Casa de Religião e Associação São Jerônimo e São Jorge, popularmente conhecida como Terreiro do Pai Jorge, recebeu uma equipe técnica da Secretaria de Meio Ambiente para uma vistoria e análise do espaço destinado às práticas religiosas do local, que atualmente encontra-se embargado em uma ação do Ministério Público, após denúncias de moradores próximos ao terreiro, que fica no bairro Ana Terra, em Colombo. 

A equipe da Prefeitura realizou a medição de ruído em uma cerimônia simulada. Na área externa, que incluiu uma análise realizada nos imóveis limítrofes ao terreiro, a medição não ultrapassou os 50 decibéis, estando dentro das conformidades estabelecidas. Com os dados em mãos, os técnicos irão emitir um laudo, que posteriormente será encaminhado ao Ministério Público. 

Em razão do embargo, o Terreiro do Pai Jorge está impedido de realizar celebrações no local desde 2019. Para atender os pedidos feitos pelo MP, o grupo religioso realizou um investimento de aproximadamente R$ 50 mil reais. “Foi feito o drywall, que tivemos que colocar no teto, e a colocação de duas portas com isolamento para poder abafar o som. Também tivemos que mexer no telhado, devido àquele temporal de granizo em novembro de 2020, que fez um estrago”, explicou a ekedi Fabiana Valentina da Silva, representante da Casa afro-brasileira. As paredes laterais também receberam um reforço. 

Além de membros do terreiro, acompanharam o trabalho da Secretaria de Meio Ambiente o vereador Anderson Prego (PT); a diretora do Departamento de Cultura de Colombo, Marinei Vidolin; o coordenador esportivo do CEU das Artes, Adir de Faria; o presidente do PT Colombo, Vando Gabre; o primeiro suplente do PT na Câmara Municipal, Adriano Nascimento; o conselheiro cultural e pesquisador Adegmar Candiero; e os membros da Pastoral Afro da Igreja Católica, Vanderlei José Nunes e Cido Custódio. O Babalorixá Jorge Kibanazambi, líder do terreiro, está em viagem à Nigéria, e não pôde acompanhar o processo final de medição. 

A conselheira estadual de Promoção à Igualdade Racial, Carine Xavier, que também é coordenadora do NEABI (Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas) do Instituto Federal do Paraná Campus Colombo, também esteve presente e destacou a importância da provável liberação que o laudo emitido pelo Meio Ambiente poderá trazer para a Associação São Jerônimo e São Jorge. “Hoje foi um momento muito gratificante de perceber que estamos vivenciando o decolonialismo, que é essa mudança de paradigmas, de olhares e a valorização da cultura legítima dos povos originários”, afirmou a pesquisadora. 

Histórico

A atual luta jurídica enfrentada pela instituição religiosa não foi a primeira de sua história. Em outra oportunidade, a associação já havia superado uma ação, iniciada em 2008. “Nós temos um problema com alguns vizinhos desde 2004. Em 2011, foi onde nós tivemos uma audiência e conseguimos provar que não tinha nenhum problema de barulho. Entre 2014 e 2015, recebemos uma intimação falando que o som passava do permitido. Aí começou um novo processo”, conta Fabiana. “Nós tínhamos duas opções: ou sairíamos ou teríamos que colocar o isolamento acústico”, completou. 

A decisão do grupo foi buscar fazer as adequações necessárias. “Nós decidimos investir, até porque o imóvel é nosso, não queríamos sair daqui. Corremos atrás, pegamos os engenheiros, que fizeram todo o trabalho, fizeram a medição. E essa documentação foi ao Ministério Público, que mesmo com tudo isso, indeferiu o pedido de liberação, pois alegaram que precisavam do aval da Prefeitura Municipal, do Meio Ambiente”, relatou Fabiana.

Intolerância religiosa e racismo

Além das questões jurídicas, outra luta travada pela associação é contra o preconceito e a intolerância religiosa. Em julho de 2020, um episódio foi marcante. No dia 1º daquele mês, durante à noite, foi arremessada para dentro do terreno da entidade uma garrafa pet com mensagens ofensivas. O muro do espaço foi pichado e uma Bíblia cristã também foi jogada. Entre as mensagens, havia frases racistas (“Seu lugar é na senzala escravo do diabo”). O autor do ataque até hoje não foi identificado. “Nós temos câmeras, mas justo neste dia foi quando teve um grande temporal e acabamos ficando sem elas”, lamentou Fabiana. 

Para o pesquisador Candiero, o terreiro passou por um processo que escancara problemas estruturais da sociedade. “Baba Jorge fez todo o trabalho de isolamento acústico e mesmo assim, o Ministério Público vende uma dificuldade, cria empecilhos. O problema já não é mais a questão do isolamento acústico.  As outras igrejas, raras são as que têm essa vedação. O que nós estamos observando é que o Baba Jorge está sendo vítima tanto do racismo religioso quanto do racismo institucional”, opinou. 

Ministério Público

Nossa reportagem tentou entrar em contato com o promotor responsável pelo caso, Cássio Honorato, da 3ª Promotoria, para comentar o assunto, via assessoria de imprensa do Ministério Público do Paraná. O promotor optou por não conceder entrevista e “prefere se manifestar apenas nos autos” do processo.

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Redação JC

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  • Parabéns pela matéria Nobre Yuri, contextualizou o caso... Vamos esperar que a promotoria de Colombo se manifeste nos autos.

  • Na realidade o racismo é estrutural na sociedade brasileira, não é um ato isolado de pessoas intransigentes, nem de instituições, esses -pessoas e instituições-, reproduzem o racismo estruturante da nação brasileira desde o seu início. Dessa forma, perpetuam a subalternização de pessoas que não correspondem ao padrão eurocêntrico dominante na sociedade. Ter a cor da pele diferente, professar uma religião diferente, emfim, pensar diferente é o suficiente para ser discriminado e preconceituado pela sociedade, e suas características de estruturação. Parabéns pelo texto Yuri.

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