Uma atividade desenvolvida com idosas do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), no bairro Monte Castelo, em Colombo, revelou o poder transformador da arte. Conduzidas pelo artista plástico e ativista socioambiental Rogério Aquino — morador do bairro Maracanã há quase 50 anos —, as participantes vivenciaram uma experiência de imersão individual ao transformar objetos considerados lixo em vasos para plantas. Mais do que o resultado estético, o que chama atenção é o próprio processo: uma ação que pode parecer simples à primeira vista, mas que carrega significados profundos para quem a vivencia — como um reflexo da capacidade humana de ressignificar, criar e florescer, em qualquer fase da vida.
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Segundo a Prefeitura de Colombo, o SCFV é um conjunto de serviços realizados em grupos, conforme o ciclo de vida dos participantes, que busca complementar o trabalho social com famílias e prevenir situações de risco social. Além disso, fortalece os laços familiares e comunitários e promove a troca de experiências, valorizando o sentido de vida coletiva.
Em entrevista ao Jornal de Colombo, Rosemere de Oliveira — educadora social, servidora pública há quase 20 anos e atual coordenadora do SCFV Monte Castelo — relatou que Rogério Aquino foi indicado pelo Coletivo de Ação Cultural de Colombo (Coacol). O convite foi feito no final de abril, e a oficina com mais de 20 idosas aconteceu em maio.
“Quando ele recebeu o convite, veio prontamente. Foi maravilhoso. Confesso que eu estava apreensiva: como seria a interação entre um artista que trabalha com reciclagem e o grupo? Mas ele teve uma fala tão doce e sensível que ganhou o coração das participantes”, contou.
Rogério também comentou sobre o convite: “É um prestígio chegar lá e ser recebido como se eu fosse uma celebridade”, afirmou ao Jornal de Colombo.

Com uma abordagem que une criatividade, consciência ambiental e respeito às vivências pessoais, Rogério propôs a confecção de vasos com rostos usando galões plásticos, panos, tampinhas e tintas. A ideia era simples: dar uma direção, mas permitir que cada uma criasse à sua maneira. “A ideia básica foi essa, mas cada um deveria fazer do seu jeito”, explicou.
O processo artístico
Acostumado a adaptar suas oficinas à faixa etária do público, Rogério percebeu que trabalhar com pessoas idosas exigiria outra sensibilidade. “Eles já têm muita bagagem, e muitos estão ali por solidão ou questões emocionais”, observou. Por isso, escolheu um tema afetivo: as flores, que evocam memórias e sentimentos positivos.
Algumas participantes estavam inseguras, com medo de errar ou não atingir um “bom resultado”. Para romper esse bloqueio, Rogério compartilhou um princípio que sempre leva consigo: “Mesmo que eu faça uma pintura bonita e ensine você, nunca vai ficar igual à minha”. Essa fala, segundo ele, é fundamental para acolher e legitimar as múltiplas formas de expressão.
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O resultado foi visível. Algumas idosas levaram suas obras para casa, outras preferiram deixá-las em destaque. “Elas começaram a ver que eram capazes. Se conseguem fazer uma obra de arte, por que não voltar a estudar? Isso pode despertar outros desejos que estavam adormecidos.”

A arte como escuta e cuidado com a velhice
Para Rosemere, a sociedade ainda negligencia o valor da população idosa. “Muitos estão ‘muito judiados’, como costumo dizer. Eles precisam sentir confiança”, aponta. A delicadeza de Rogério foi decisiva: “Ele disse logo no início que nenhuma obra sairia igual à dele, e isso tocou muito as participantes.”
Com paciência e tato, ele foi ajustando pequenos detalhes e valorizando o processo de cada uma. “Aqui, quando alguém diz que eles podem tudo, que estão na melhor idade, eles saem motivados”, afirma Rosemere.
Ela ressalta que Colombo tem avançado em políticas públicas para o envelhecimento com qualidade, mas que o envolvimento da sociedade civil ainda é essencial. “A gente precisa lembrar que um dia estaremos no lugar deles. E o que vamos querer?”
A arte como cura
Para Rogério Aquino, a arte é mais que estética — é cura. “A arte é como uma religião para mim. Ela cura”, diz. Ele relata que, após perder dois filhos, encontrou na criação uma forma de atravessar o luto. “Fui para o litoral de bike, levei minhas máscaras, acampei… Sempre com a arte ao lado.”
Ao transformar materiais descartados em objetos significativos, os participantes também ressignificam a própria trajetória. “Quem diz que o vermelho que estou vendo é o mesmo que você vê?”, provoca Rogério. “A arte propõe, mas é o espectador quem ressignifica.”
Mais do que uma oficina, foi um encontro de histórias. “A ação é a minha religião, e isso é o meu dízimo”, conclui.
Ao dar nova vida ao que seria descartado, os idosos também revisitavam suas próprias histórias, reafirmando que criar, cuidar e se expressar não tem idade. A ação propõe uma reflexão urgente: em tempos de pressa, consumo e invisibilização, o que a arte ainda pode nos ensinar sobre permanência, sensibilidade e reconstrução? O Jornal de Colombo te convida a pensar…
