Líder religioso e comunitário, o Babalorixá Jorge Kibanazambi recebeu no último mês de março o título de cidadão honorário do município de Colombo, por parte da Câmara Municipal. Para falar sobre a honraria e sobre sua história de luta por igualdade, o sorridente Baba Jorge recepcionou a reportagem do Jornal de Colombo na sede da Associação Beneficente Afro-Brasileira São Jerônimo e São Jorge, localizada no bairro Ana Terra. 

Jornal de Colombo – Qual foi o seu sentimento por receber o título de cidadão honorário de Colombo?

Jorge Kibanazambi – A gente já vem num processo de luta e resistência muito grande, há muito tempo aqui no município de Colombo, batalhando, tentando edificar o movimento negro em Colombo para que possamos ter um diálogo melhor junto aos administradores públicos. E eu já estou nesta luta há muito tempo. Já fui consultor de ações voltadas às comunidades negras junto da Conapir (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial), da Cepir (Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial). O meu trabalho em prol da igualdade é algo que eu já nasci fazendo. Faz 20 anos que estou em Colombo e neste período enfrentamos várias guerras aqui. Passamos períodos em Colombo parecendo o Rio de Janeiro. Polícia correndo, helicóptero, tudo. Depois que foi colocado o Batalhão aí foi uma benção para Colombo. Peguei um período que o táxi deixava a gente na Ribeira. Se falasse que ia pro Ana Terra os caras não pegavam. Nossa cidade melhorou muito, cresceu em vários pontos, vem evoluindo numa cadência positiva. E a nível racial, com essa questão do título, para um homem negro, de terreiro, enquanto babalorixá, como sacerdote, pelas lutas e enfrentamento ao racismo, me sinto honrado por fazer parte desse crescimento. E uma vez que hoje, uma Câmara de Vereadores consegue votar com unanimidade, mostra que está todo mundo com o mesmo olhar. Embora existam diversidades políticas, o olhar de mudança e de crescimento é o mesmo. 

JC – E como se deu sua chegada a Colombo? 

JK – Eu sou carioca. Vir para Colombo foi algo fascinante. Eu sou casado com uma gaúcha. Eu dou aula de língua yorubá, e na época o amigo Auro Rodrigues me convidou numa convenção da UFBA (Universidade Federal da Bahia) para dar uma palestra na Azenha, em Porto Alegre, próximo ao antigo campo do Grêmio. Cheguei lá e encontrei o Batuque, que era totalmente diferente do Candomblé e de tudo que eu tinha visto na minha vida. Aí me apaixonei, quis conhecer, saber de onde era. E acabei conhecendo a Fabiana, e casamos. Chegou um período em que eu pensei em voltar pro Rio de Janeiro. Até fomos para lá, para a casa da minha mãe. Passamos de 15 a 20 dias e ela não se adaptou. A Fabiana falou “vamos fazer assim: que tal Curitiba?”, pois fica no meio do caminho. E foi legal, cheguei em Curitiba vi que já tinha uma frente social, tinha federações de Umbandá e Candomblé.e fui fazendo vínculos e acabei chegando em Colombo por intermédio do Jorge do Tranca-Rua e me apresentou o senhor Osvaldo, que era dono dessa residência. Seis anos depois adquiri o imóvel e estamos aí até hoje. 

JC – Nestes vinte anos aqui, você também passou por alguns percalços, como a intolerância religiosa que acabou culminando na interdição do terreiro, impedindo o local de fazer suas celebrações religiosas. Como foi esse momento para você? 

JK – Foi difícil. A gente fala em combate ao racismo, mas você não enfrenta o racismo de frente. As pessoas não falam pra você que não gostam de você por causa da sua religião. Você acaba não vivendo esse choque. Mas quando você se depara com alguém que fala pra você é diferente. Você tem que fazer toda uma reformulação. É uma coisa muito séria que mexe muito com a tua cabeça. Você já pensa que todo mundo é assim, todo mundo te olha dessa forma, te tratam por educação ou por lei.. A emoção aflorou em alguns momentos, eu também me excedi. Nunca neguei isso. Até houve um encontro de reconciliação, acabei falando demais. E falei mesmo, me senti ofendido, falei palavras de baixo calão, falei coisas que não deveria ter falado. Mas eu estava realmente em cólera, porque mexe com o que é sagrado, a religião é tudo o que eu tenho, eu sou isso. A minha religião fala da minha cultura, da minha tradição ,da minha cor da pele, das minhas filosofias, das minhas lutas. E o choque maior é esse: eu não ofendi o outro por suas ações. O que ele faz não me incomoda. Porque ele me persegue tanto se em nenhum momento eu penso em persegui-lo? Quando chegou a intimação, a comunicação pelo oficial de justiça, aquele dia foi muito ruim pra mim. Não por receber um oficial de justiça ou ser uma intimação. Mas você ser proibido de praticar aquilo que você é… Cada vez que toca a Ave Maria no Santa Terezinha, a gente escuta na sala da nossa casa. Que país é esse que a gente vive, em que eles podem fazer isso e a gente não? No sábado, o pessoal ouvindo som alto, isso não incomoda? Então, não é a música, não é o barulho. [O problema] Sou eu e o que eu carrego. 

JC –  O que o município de Colombo representa para você?

JK – O universo chama a gente pra onde ele precisa que a gente atue. Por que um homem negro, carioca, veio parar no sul do país, e numa cidade que tem predominancia italiana, culturalmente falando? Tenho muito essa coisa de ouvir o vento, de me conectar com o lugar, e percebi que tenho uma conexão muito grande com Colombo. Colombo sempre foi bom pra mim. Eu amo Colombo, quero somar ao município e não é da boca para fora. 

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