Por Dener Kluck

 

Quando você ouve a palavra “lixo”, o que vem à sua cabeça? Restos? Sujeira? Algo que não serve mais e precisa ser jogado fora? Pois é. Essa é a ideia que aprendemos desde pequenos: que lixo é tudo aquilo que já não tem mais utilidade e, por isso, precisa ir embora da nossa frente o mais rápido possível. Se estiver dentro de um saco preto, sem nem saber o que tem dentro, melhor ainda.

No conceito Lixo Zero, partimos justamente do oposto: a ideia de que o “lixo” — como nos ensinaram — não existe. O que existe são resíduos. E cada resíduo carrega um potencial diferente. Alguns podem ser reciclados. Outros podem ser compostados e virar adubo. Só uma parte muito pequena — chamada de rejeito — é que realmente não tem aproveitamento possível no momento. Essa parte sim, pode até ser chamada de “lixo comum”. Mas todo o resto… não deveria estar sendo descartado como se fosse o mesmo.

Um exemplo ajuda a entender: muita gente ainda usa expressões como “lixo reciclável”, mas essa combinação de palavras é contraditória. Se algo é reciclável, então não é lixo — é matéria-prima que pode voltar ao ciclo produtivo. Da mesma forma, se algo é realmente lixo, significa que não pode mais ser aproveitado. Usar a palavra “lixo” para tudo que descartamos confunde as coisas e dificulta a separação correta dos resíduos.

Recentemente, tivemos um avanço importante nessa discussão: os principais dicionários da língua portuguesa passaram a incluir a palavra “lixo” com um novo significado, reconhecendo que ela pode ser um termo pejorativo quando usada para se referir aos materiais recicláveis. Essa mudança não aconteceu por acaso — ela foi fruto da luta histórica das catadoras e catadores de materiais recicláveis, que há décadas enfrentam o preconceito de serem associados ao “lixo”, quando na verdade são responsáveis por dar valor, dignidade e novo destino aos resíduos. Esse reconhecimento simbólico ajuda a reforçar o que o movimento Lixo Zero sempre defendeu: não é lixo — é recurso, é trabalho, é futuro.

É por isso que precisamos, urgentemente, rever o que estamos chamando de lixo — e quem é responsável por garantir que os resíduos sejam tratados da forma correta. A responsabilidade de construir uma cidade que não gere lixo não é de uma pessoa só. É de todos. Mas, para que essa responsabilidade seja de fato compartilhada, é preciso que cada setor da sociedade faça a sua parte — e faça bem.

É dever do Estado (federal, estadual e municipal) garantir que o lixo não se torne um problema coletivo. E isso começa por dois caminhos fundamentais: informar e estruturar. É responsabilidade do poder público garantir que a população compreenda o que são os resíduos, como separá-los e qual é a destinação adequada para cada tipo. Mas tão importante quanto ensinar, é garantir as condições para que as pessoas consigam fazer a sua parte. De nada adianta conscientizar, se não há coleta seletiva em todos os bairros. Ou se os resíduos orgânicos continuam sendo levados para o aterro porque não há política pública de compostagem.

Por isso, dois pilares básicos precisam ser prioridade em qualquer cidade: educação ambiental contínua e coleta seletiva eficiente. Ensinar a população a separar seus resíduos e, ao mesmo tempo, garantir que exista um sistema de coleta que funcione para todos os bairros, com abrangência, frequência e regularidade. Sem isso, a cadeia do cuidado com os resíduos quebra antes mesmo de começar.

Outro ponto crucial é a gestão dos resíduos orgânicos: os restos de comida, cascas, podas, folhas e outros materiais biodegradáveis que ainda chamamos, erroneamente, de “lixo orgânico”. O Plano Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, é claro ao estabelecer que a prioridade para esse tipo de resíduo deve ser a compostagem, e não o envio para aterros sanitários. Mas, na prática, isso quase nunca acontece.

Aqui em Colombo, por exemplo, já contamos com um sistema de coleta seletiva e do lixo comum que atende todos os bairros da cidade — e isso precisa ser valorizado. No entanto, mesmo com esse avanço, ainda estamos enviando, na prática, mais de 90% de tudo o que é coletado para o aterro sanitário, o que mostra que ainda há muito trabalho pela frente quando o assunto é redução e reaproveitamento de resíduos.

A cidade também possui programas que merecem destaque, como o Eco-Troca, que promove uma bela conexão entre reciclagem e agricultura local: a população entrega materiais recicláveis e, em troca, recebe verduras e legumes frescos e orgânicos da produção agrícola colombense.

Outro exemplo é o programa Colombo + Limpa, que percorre os bairros da cidade fazendo a coleta de volumosos, recicláveis em geral e levando educação ambiental com os personagens Papa-Treco. A proposta é boa, mas precisaria acontecer com mais frequência. Hoje, muitas vezes o programa passa apenas uma vez por ano em cada bairro — o que, na prática, tem pouco impacto contínuo. Além disso, como Colombo faz parte da região metropolitana de Curitiba, boa parte da população trabalha em outras cidades e, quando a ação acontece em horário comercial, muitas pessoas não estão em casa para participar.

Mais um ponto positivo é que o município está se organizando para distribuir ecopontos, ou Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) pela cidade, o que facilitará muito para quem deseja fazer sua parte. Ter locais fixos e acessíveis para entrega voluntária de resíduos é uma estratégia que contribui para a autonomia da população e fortalece a cultura da separação correta.

Além disso, é fundamental destacar o papel essencial das associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis. São essas pessoas que realizam o trabalho de triagem dos resíduos da coleta seletiva, garantindo que aquilo que ainda tem valor não acabe indo para o aterro. Mesmo assim, essas associações seguem sendo o elo mais vulnerável da cadeia da reciclagem. Apesar da coleta seletiva já estar implantada em todos os bairros de Colombo, ainda falta um olhar mais atento para quem está na base desse processo, oferecendo mais estrutura, melhores condições de trabalho e  valorização efetiva. Um exemplo inspirador vem de Curitiba, que neste ano passou a conceder um vale-alimentação de R$ 440,00 para catadoras e catadores vinculados às associações da cidade. Esse tipo de política mostra que é possível reconhecer o valor social e ambiental de quem lida diretamente com os resíduos — e construir, assim, uma cadeia mais justa e eficiente.

O setor privado também precisa ser cobrado. Muitas empresas são grandes geradoras de resíduos e é papel do poder público fiscalizar com eficiência para garantir que essas empresas estejam fazendo a separação correta e destinando cada tipo de resíduo para onde deve ir. E não estamos falando só dos recicláveis: os resíduos orgânicos e, em muitos casos, os chamados resíduos especiais (como eletrônicos, lâmpadas, pilhas, medicamentos) também entram nessa conta.

Além disso, as empresas têm responsabilidade sobre o que colocam no mercado. De nada adianta falar em reciclagem se as embalagens dos produtos não têm viabilidade real de serem recicladas. Muitas vezes, o material até é tecnicamente reciclável, mas ninguém compra, porque o valor de mercado é baixíssimo. Isso acontece, por exemplo, com embalagens feitas de BOPP — aquele material brilhante por dentro, comum em pacotes de salgadinhos e bolachas. A maior parte dessas embalagens acaba indo direto pro aterro, porque não compensa o trabalho de separação.

É por isso que as empresas precisam investir em logística reversa — um sistema que garanta o retorno e a destinação correta das embalagens e resíduos gerados por seus produtos. E mais: precisam valorizar as associações de catadoras e catadores, pagando preços mais justos pelos materiais recicláveis e fortalecendo uma cadeia de reciclagem que ainda sobrevive à base da resistência.

E a nossa responsabilidade individual, ou seja, nosso exercício de cidadania? Claro que nós também temos nosso papel. Afinal, somos nós que escolhemos o que consumimos, como consumimos e para onde mandamos aquilo que sobra. A separação correta dos resíduos dentro de casa ou no trabalho é um ato de responsabilidade social — não apenas com o planeta, mas também com quem vive da renda dos materiais recicláveis.

Se você não separa corretamente seus resíduos, alguém vai ter que separar por você. E esse alguém, na maioria das vezes, é uma catadora ou um catador de materiais recicláveis, que trabalha numa associação ou cooperativa, enfrentando inúmeras dificuldades para garantir que aquilo que ainda tem valor não vá parar no aterro sanitário — ou pior, no rio, na rua, na mata.

Por isso tudo, é importante reforçar: a responsabilidade por uma cidade Lixo Zero é COMPARTILHADA. O poder público precisa ensinar e oferecer estrutura. As empresas precisam reduzir os impactos que causam. E as pessoas precisam fazer sua parte.

Não é justo cobrar que a população resolva tudo sozinha quando o sistema ainda falha em tantos pontos. Mas também não podemos esperar que tudo mude sem a nossa participação popular.

É exatamente nesse meio do caminho que atua o Colombo Lixo Zero. Nosso trabalho é promover educação ambiental, questionar o que aprendemos a chamar de lixo e propor novos caminhos. Também atuamos na incidência política, cobrando da Prefeitura melhorias reais na gestão dos resíduos, e buscando empresas parceiras que queiram construir, junto com a gente, soluções sustentáveis e justas.

Esta é a primeira edição da Coluna Lixo Zero no Jornal de Colombo. Nas próximas edições vamos entrar em mais detalhes sobre o que seria, na prática, uma cidade Lixo Zero — ou melhor, uma Colombo Lixo Zero.

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