A Casa de Religião e Associação São Jerônimo e São Jorge, mais conhecida como Terreiro do Pai Jorge, localizada no bairro Ana Terra, em Colombo, recebeu um ataque de intolerância religiosa e racial. O episódio aconteceu na madrugada da quarta-feira da semana passada, 1º de julho. No dia após o forte vendaval que atingiu o Paraná, uma garrafa pet repleta de mensagens apócrifas e uma Bíblia foram arremessadas para dentro do espaço. Além disso, o muro foi pichado com a frase “Deus é maior”. Em uma das mensagens, a discriminação religiosa e racial é clara: “Seu lugar é na senzala escravo do diabo”.
O Babalorixá Jorge Kibanazambi estava no terreiro no momento dos ataques, mas só foi tomar conhecimento do ocorrido pela manhã. “Eu estava dormindo dentro do terreiro e por conta da alta ventania e da chuva, não escutei nenhum tipo de movimento do lado de fora”, disse Jorge, que realizou um Boletim de Ocorrência junto às autoridades policiais. “Foi um misto de tristeza, indignação e raiva por estarmos passando por aquilo. Já não bastasse a luta que estamos tendo com os vizinhos e com a Prefeitura de Colombo”, destaca.
A luta a qual Jorge se refere é em relação à denúncias e reclamações por parte de alguns vizinhos, que geraram problemas burocráticos à entidade. “Estamos há muito tempo lutando judicialmente contra a intolerância. Desde 2007 que estamos lutando com falsas denúncias e provas inexistentes. Chegamos a realizar um abaixo-assinado com os moradores da redondeza sobre a questão do barulho, que era o motivo da reclamação, e conseguimos provar que não incomodávamos e tocávamos apenas em datas específicas. Vencemos um processo em 2011, mas não demorou muito para que isso tudo voltasse, agora com outros vizinhos, que são evangélicos e já foram no portão para exigir que parássemos com o barulho e falando que éramos de uma religião demoníaca”, detalha. “Logo após isso, neste ano, vieram dois promotores de justiça, em datas diferentes, cassando o alvará da casa e me proibindo de realizar qualquer manifestação sonora, tanto religiosa quanto de outro ritmo, me deixando de mãos atadas”, conta.
Crime
Mais que imoral, os atos de intolerância religiosa e racismo também podem ser configurados como crime. O artigo 208 do Código Penal, por exemplo, estabelece pena de detenção de um mês a um ano, ou multa, para quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
Racismo
Além do claro ataque à religião, o racismo indicado nas mensagens apócrifas chama a atenção. Para Jorge, há uma união de elementos discriminatórios que reforçam o sentimento de ódio. “O que mais temos hoje em dia nos noticiários são mortes de negros dentro das favelas, nas cidades, e muitas vezes é por achar que aquele negro, era uma pessoa de má fé, que estava armado de um fuzil, quando na verdade era apenas um guarda chuva. E para o negro que ainda é pertencente a uma religião de matriz africana, o risco e o medo é maior, seja pelo racismo impregnado na sociedade, ou pela intolerância religiosa praticada por muitos líderes religiosos que passam essa terrível ideia para seus fiéis”, opina Jorge. “Independente da religião, temos que mostrar e levar o amor, a bondade, tudo de bom que podemos oferecer pra sociedade, fazendo a nossa parte”, completa.
A religião
O preconceito, invariavelmente, é reforçado pela ignorância, pela falta de conhecimento sobre o próximo. Quando se fala em preconceito religioso, não seria diferente. Afinal, quantos de nós conhecemos de fato o que é o Candomblé, por exemplo? “O Candomblé é uma religião afro-brasileira, que tem uma grande origem, vindo junto com os negros nos navios (na época da escravidão). É uma religião que já passou por diversas ramificações e resiste até hoje, infelizmente, sendo marginalizada por boa parte ignorante da sociedade”. Diferente do que muitos pensam, o Candomblé não é uma religião politeísta, em que se veneram diversos deuses, e sim, monoteísta, tal qual o Cristianismo e o Islã. O que há no Candomblé são os orixás, que em uma comparação com o catolicismo, por exemplo, seriam espécies de santos. “Cultuamos os orixás, energias da natureza, que são partes de Eledumare, Senhor Supremo, que é conhecido como Deus, o mesmo de todas as religiões”, explica.
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