Pela primeira vez em mais de 30 anos, a região central de São Paulo conhecida como Cracolândia está praticamente vazia. Ruas antes tomadas por milhares de dependentes químicos agora estão quase desertas. As imagens recentes contrastam com as registradas em agosto de 2024 pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), que apontavam um cenário de degradação e domínio do tráfico.
A mudança é resultado da Operação Saúde e Dignidade, deflagrada de forma integrada pelo MPSP, prefeitura e governo estadual. A ação mirou o ecossistema criminoso que, por décadas, sustentou a Cracolândia. Ferros-velhos ilegais foram fechados, lojas de celulares usados e estacionamentos irregulares foram interditados. Traficantes de drogas e até guardas civis metropolitanos foram presos por envolvimento em extorsão e corrupção.
“O dependente sempre foi visto como vítima desse processo. Muitos eram explorados em condições análogas à escravidão, sendo obrigados a furtar ou recolher sucata para sobreviver. Ao desmantelar essa cadeia criminosa, provocamos um efeito dissuasório”, explica o promotor de Justiça Fábio Bechara.
Segundo o Ministério Público, o esvaziamento do chamado “fluxo” foi observado ao longo dos últimos nove meses. A ausência de grandes aglomerações de usuários, no entanto, não significa o fim do consumo de drogas nas ruas da capital. Pequenos grupos se dispersaram por bairros vizinhos, ocupando viadutos e canteiros centrais, mas sem repetir a ocupação massiva da Cracolândia.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), associou a dispersão ao aumento nos atendimentos de saúde e a ações na favela do Moinho, também na área central.
A experiência considerada bem-sucedida já serve de base para o desenvolvimento de uma ferramenta tecnológica pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Pesquisadores do FGV Analytics estão utilizando dados da operação para criar um sistema de monitoramento capaz de antecipar o surgimento de novas áreas de concentração de dependentes químicos no país.
“O benefício está justamente na capacidade de antecipar e prevenir novas aglomerações. A Cracolândia é nosso caso-piloto, mas o objetivo é aplicar a ferramenta em outras regiões”, afirma João Luiz Becker, coordenador da FGV Analytics.
Fonte: G1