Na escola aprendemos de maneira pincelada que a Lei Áurea foi uma lei assinada pela Princesa Isabel que libertou os escravos e aboliu de vez a escravidão no Brasil. Sua assinatura foi, na verdade, resultado de uma série de acontecimentos anteriores e que ao invés de causar a libertação, gerou um fortalecimento do racismo estrutural brasileiro. “O fim da escravidão no Brasil foi impulsionado por diversos fatores, entre eles, uma importante participação popular. Cada vez mais escravos, negros livres e brancos se juntaram aos ideais abolicionistas, sobretudo, na década de 1880”, conta o pesquisador Adegmar Candiero.
Na esteira da história, antes da suposta benevolência da princesa regente, houve a instituição da Lei Eusébio de Queirós, que visava pôr fim ao tráfico de escravos; o descumprimento da promessa de libertação de negros “voluntários” após o fim da Guerra do Paraguai, em 1870, o que acabou fomentando revoltas e indignações; a Lei do Ventre Livre, instituída em 1871 e que previa a libertação dos filhos de mães escravas nascidos a partir de então, mas que era constantemente ludibriada; e a Lei dos Sexagenários, que previa a “liberdade” para escravos maiores de 60 anos.
Todo o contexto da Lei Áurea só reforça a singularidade da escravidão no Brasil: pelo período significativamente longo em que perdurou e pela quantidade de pessoas envolvidas em um mercado que vitimou, considerando apenas o transporte de escravos vindos da África, cerca de 670 mil homens e mulheres. “Todos os países da América já tinham abolido a escravidão. O primeiro, foi o Haiti, 95 anos antes, em 1793. A maioria demorou para seguir o pioneiro, e fez suas abolições entre os anos 1830 e 1860. Os Estados Unidos, em 1865. Cuba, a penúltima a abolir a escravidão, o fez dois anos antes do Brasil. Em nenhum outro país, contudo, a escravidão teve a dimensão brasileira. Enquanto 389 mil africanos desembarcaram nos Estados Unidos, no Brasil foram 4,9 milhões – 45% de toda a população que deixou a África como escrava. O gigantismo da escravidão no Brasil dificultou o seu fim, pois ela estava impregnada na vida nacional”, detalha.
O pesquisador da história africana e, em especial da presença negra no Brasil, afirma de maneira bastante pontual e assertiva as consequências da Lei Áurea da forma que foi concebida, que não libertou efetivamente os escravos, mas sim a consciência dos senhores escravocratas. “A lei era curta e seca. Irresponsável, como tantas outras do processo abolicionista brasileiro. Nenhuma indenização ou compensação para os recém-libertos, nenhuma política de emprego ou de acesso à terra. A Lei Áurea libertou os escravocratas da responsabilidade e do peso na consciência (e não os escravizados). Em consequência disso, a desigualdade se consolidou no Brasil. O encarceramento, o genocídio da população negra e a desigualdade no índice de desenvolvimento humano demonstram estes fatos em números”, finalizou.