Mesmo após viralizar nas redes sociais e mobilizar o debate público sobre inclusão alimentar, o caso de Thaylla, criança celíaca matriculada em uma escola da rede municipal de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, continua sem qualquer ação concreta por parte da instituição de ensino. A afirmação é da defesa da família, que concedeu entrevista ao Jornal de Colombo na última segunda-feira (5). Segundo o advogado Daniel Kaefer, mesmo com a comoção popular, não houve mudanças efetivas para garantir os direitos da aluna.
Em nota enviada à reportagem, o MP-PR afirmou que “diante das recentes repercussões na imprensa e em razão de recente ofício encaminhado pela Secretaria de Educação de Araucária, a Promotoria de Justiça instaurou Notícia de Fato para verificar o atual andamento do caso”.
A história, por sua vez, ganhou repercussão no início de abril, quando a mãe da criança, Tayrine Novak, tentou enviar um bolo de cenoura sem glúten para a filha. O alimento, adequado à condição de Thaylla, foi barrado pela escola.
A mãe se ampara na Lei Municipal de Araucária nº 4.513, de 26 de dezembro de 2024, que assegura o direito de estudantes com doença celíaca, mediante laudo médico, levarem seus próprios alimentos para instituições de ensino públicas ou privadas, respeitando as restrições alimentares e a disponibilidade familiar.
O advogado também fez questão de destacar a postura da mãe que, ao saber que seu filho havia ficado com vontade de comer o bolo levado por Thaylla, procurou a escola para entender a situação.
“Essa mãe agiu com responsabilidade e sensibilidade. Ela ouviu o filho, buscou informação e exerceu seu papel com empatia. Em nenhum momento houve crítica à atitude dela, muito pelo contrário — é uma mãe atenta, presente e que merece reconhecimento por isso”, iniciou.
Ainda assim, acusa o criminalista, a escola recusou-se a receber o alimento.
“Essa recusa é absolutamente injustificável. A legislação municipal é clara e está em vigor. A escola não tem o direito de desconsiderar uma necessidade de saúde respaldada por lei”, afirma o profissional, que representa a família.
Segundo ele, mesmo com a repercussão crescente nas redes sociais e nas comunidades locais, a direção da escola segue inerte. “O que vemos é um silêncio institucional que normaliza uma violação diária”, critica.
CRÍTICA A SERVIDORES, NÃO À SECRETARIA
Daniel faz questão de destacar que as críticas não se dirigem à Secretaria de Educação nem à Prefeitura como estruturas institucionais.
“Não é o Executivo o culpado, nem a Secretaria em si. São servidores públicos estrategicamente posicionados que não compreenderam a sua função estatal. Estão agindo com perseguição e coação, o que é inaceitável”, afirma.
A falta de acolhimento, segundo o advogado, culminou inclusive em episódios de assédio moral dentro do ambiente escolar.
“Registramos boletim de ocorrência contra funcionárias da escola por condutas abusivas. A mãe passou a ser tratada com desconfiança e ironia, e agora a própria aluna começa a perceber esse clima de hostilidade”, diz.
Para a família, o medo de retaliações tornou-se parte da rotina.
“Tayrine segue enviando os alimentos preparados em casa e monitorando todos os detalhes da rotina escolar. Cada olhar enviesado, cada comentário fora do tom é motivo de atenção. Isso não é vida normal para uma criança nem para uma mãe”, pontua Daniel.
Atualmente, segundo Daniel, o foco da família não está em buscar qualquer tipo de indenização. A atuação da equipe jurídica concentra-se, neste momento, em garantir que os direitos básicos da estudante sejam respeitados no ambiente escolar, sobretudo no que se refere à alimentação segura e adequada.
Além das medidas administrativas já tomadas, os advogados monitoram o caso e acompanham os desdobramentos junto aos órgãos competentes, visando preservar o bem-estar físico e emocional de Thaylla.
ESCOLA DEVE ACOLHER, NÃO EXCLUIR, OPINA ADVOGADO
O advogado que a escola não pode usar o argumento do interesse coletivo para suprimir direitos individuais garantidos por lei. “Quando falamos de saúde, falamos de vida. Alimentação adequada é obrigação do Estado”, avaliou.
Após o caso de Thaylla vir à tona, surgiram relatos de outras famílias enfrentando situações semelhantes, envolvendo autismo, dietas veganas e outras restrições. Daniel encoraja os responsáveis a buscarem apoio jurídico e denunciar violações. “A sociedade só muda quando os cidadãos exigem respeito”, pontuou.
A defesa aciona o Ministério Público e busca apoio psicológico para Thaylla. Segundo o advogado, o foco é proteger a saúde física e emocional da criança. Ele também critica o uso da máquina pública para silenciar cidadãos e afirma que a atuação jurídica continuará.
O QUE DIZ A PREFEITURA DE ARAUCÁRIA?
Em nota divulgada nas redes sociais da Prefeitura de Araucária no dia 24 de abril, há duas semanas, a administração municipal informou que a reclamação inicial partiu de outra mãe, que relatou que seu filho teria ficado com vontade de comer o bolo de cenoura com cobertura de chocolate levado pela aluna celíaca, no mesmo dia em que a escola serviu canjica como sobremesa.
A Secretaria Municipal de Educação (SMED) acrescentou que, conforme previsto em legislação, há três formas de atender estudantes com doença celíaca: a ingestão dos alimentos fornecidos pela escola, o envio de refeições preparadas pela família — preferencialmente semelhantes às da merenda escolar — ou ainda a entrega de ingredientes pela unidade escolar para que os alimentos sejam preparados em casa.
O Jornal de Colombo procurou a Prefeitura e Secretaria Municipal de Educação de Araucária para solicitar novos posicionamentos oficiais e atuais sobre o caso, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto e será atualizado assim que houver algum posicionamento.
O QUE DIZ O MP-PR?
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) também foi procurado para comentar o caso. Em nota, o órgão afirmou que voltou a acompanhar o caso da aluna celíaca da rede municipal de Araucária. Segundo o texto, a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca informou que “diante das recentes repercussões na imprensa e em razão de recente ofício encaminhado pela Secretaria de Educação de Araucária, foi instaurada Notícia de Fato para verificar o atual andamento do caso”.
O MP-PR já havia acompanhado a situação em 2024, quando foi informado sobre um impasse envolvendo a oferta de merenda escolar adequada a crianças com intolerância ao glúten. Na época, houve uma reunião com a mãe da estudante, representantes do Conselho de Alimentação Escolar e a própria promotoria.
“Na ocasião, o Conselho esclareceu que fornece merenda especial para alunos com intolerância sem o registro de intercorrências. A mãe da criança ressaltou, porém, que esse não era o caso de sua filha, que sofria com a chamada contaminação cruzada.”
Ainda segundo a promotoria, ficou acordado que a família procuraria enviar alimentos o mais próximo possível do fornecido pela municipalidade, desde que o cardápio fosse previamente informado. O MPPR destacou, à época, “a necessidade de que a escola e a família mantenham um canal de diálogo aberto para solucionar as questões que possam surgir no dia a dia com relação à alimentação da infante, sempre tendo em foco o melhor interesse desta”.
Após o acordo, a primeira apuração foi arquivada, pontuou o MP-PR. A nova investigação busca, agora, apurar a conduta atual da escola e se houve falhas na comunicação ou na aplicação das medidas acordadas anteriormente.