O Paraná está dando passos importantes no enfrentamento ao racismo estrutural e na promoção da igualdade racial com o projeto Municípios Antirracistas, inspirado na iniciativa “Cidades Antirracistas” de São Paulo. Para entender melhor essa mobilização e seus impactos, o Metropolitano JC entrevistou Aloísio Justino do Nascimento, presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial.

Com uma visão clara e crítica, Aloísio destacou a necessidade de políticas públicas efetivas e contínuas, especialmente no campo da educação, saúde e comunicação. A proposta do projeto vai além do cumprimento formal da Lei 10.639, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, buscando um ensino verdadeiramente inclusivo e constante, e não restrito ao mês da Consciência Negra.

Outro ponto forte da conversa foi o reconhecimento da presença histórica da população negra em municípios com forte colonização europeia, como Colombo. Aloísio enfatizou a importância do resgate histórico para fortalecer o pertencimento e a identidade cultural da população negra.

Além disso, a entrevista abordou questões sensíveis como o impacto do machismo estrutural na vida das mulheres negras, que enfrentam uma dupla opressão — racial e de gênero.

O projeto Municípios Antirracistas também foca no letramento racial na mídia, na formação de agentes públicos e na criação de espaços seguros para denúncias de racismo. Segundo Aloísio, a denúncia é uma ferramenta essencial para combater práticas racistas e garantir justiça.

Confira a entrevista completa!

Metropolitano JC: O Paraná tem avançado na pauta racial com o projeto dos municípios antirracistas. Como surgiu essa iniciativa?
Aloisio Nascimento: Essa iniciativa foi inspirada no programa “Cidades Antirracistas” de São Paulo, que já ocorre há mais de dois anos. No Paraná, trouxemos a ideia através do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, e o Ministério Público prontamente abraçou, compreendendo a necessidade de estimular os municípios na implementação de políticas públicas antirracistas.

Metropolitano JC: Quais as principais ações envolvidas no projeto?
Aloisio Nascimento: O projeto aborda 8 iniciativas. Um exemplo é a Lei 10.639, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Muitas vezes, essa lei só é aplicada em novembro, no mês da Consciência Negra. Nossa proposta é que o ensino sobre a negritude seja contínuo, trazendo materiais didáticos que valorizem a presença negra na história do município, do estado e do Brasil de forma verdadeira e positiva.

Metropolitano JC: Como municípios com forte colonização europeia, como Colombo, podem trabalhar a inclusão da população negra na sua história?
Aloisio Nascimento: Precisamos combater a narrativa de que certas cidades são exclusivamente europeias. O Brasil foi formado pelos povos originários, pelos colonizadores portugueses e pelos africanos escravizados. nossa sociedade tem como origem essa formação. Em Colombo, há registros históricos que mostram a presença negra desde o século XVIII. A cidade já tem avançado com políticas públicas, como a criação de uma Secretaria da Cultura e Igualdade Racial, o que demonstra um reconhecimento da importância da população negra, que representa 40% da cidade.

Metropolitano JC: De todos os critérios que foram adotados para os municípios antirracistas, qual que você entende que é o mais importante ou que está mais avançado agora?
Aloisio Nascimento: Entendo que todos são importantes porque eles são complementares. Se eu trabalho a questão da Lei 10.639 com a criança, eu estou gerando um futuro profissional empoderado, um profissional que entende que ele faz parte da história do território que ele ocupa, que ele vive. Então, ele se sente pertencente a essa sociedade e, consequentemente, ele vai ser um bom profissional que vai se capacitar, vai ter esse orgulho e vai poder ser profissional, vai poder ser um funcionário público, porque ele se entende como parte desse processo de sociedade. Estou falando de sua energia, todo os seus sonhos, toda a sua vontade de ser um cidadão, de querer ser alguém que representa e pode ser representado dentro das esferas de poder.

Metropolitano JC: E isso se reflete em todas as camadas?
Aloisio Nascimento: Correto. Ele se vê ali como qualquer elemento da sociedade e isso acaba refletindo em todas as esferas. Todas as ideias do projeto são complementares. A formação da imprensa com o letramento racial, a imprensa é a voz da sociedade, é a voz da liberdade. E eu sempre digo, nós estamos num processo de evolução. Fazer o letramento racial não é dizer que os profissionais da imprensa não estão qualificados no sentido de criminaliza-los, mas sim um processo natural da evolução da sociedade brasileira, que felizmente entende, que é necessário ter o diálogo e que incorpore todos os elementos da sociedade.

Metropolitano JC: A comunicação ajuda nesta formação?
Aloisio Nascimento: Sim, é fundamental e os municípios no uso de seus veículos de comunicação interna, fazer esse diálogo, entender do letramento racial, fazer uma escrita, uma divulgação que seja antirracista. É importante. Por isso que eu digo que cada um dos indicadores do projeto, são complementares para ir adequando e transformando o processo da sociedade de uma forma horizontal.

Metropolitano JC: A promoção da igualdade racial é uma política transversal. Como torná-la visível e efetiva?
Aloisio Nascimento: Diferente da saúde ou da educação, que têm estruturas físicas bem definidas, a promoção da igualdade racial precisa ser compreendida em diversas frentes. Por exemplo, na saúde, sabemos que a população negra tem maior incidência de doenças como hipertensão e anemia falciforme. Políticas específicas para essa população impactam positivamente toda a sociedade, pois reduzem custos com tratamentos emergenciais e fortalecem a prevenção. No ensino, trazer a história afro-brasileira para dentro das escolas fortalece a autoestima das crianças negras e combate estereótipos.

Metropolitano JC: Dentro do projeto dos municípios antirracistas, há diversos critérios de avaliação. Qual deles o senhor considera mais avançado ou crucial?
Aloisio Nascimento: Todos os critérios são complementares. Ensinar a história negra fortalece o senso de pertencimento das crianças, preparando cidadãos mais conscientes e capacitados para ocupar espaços de poder. O letramento racial na imprensa também é essencial, pois a mídia tem um papel central na construção das narrativas sociais.

Metropolitano JC: Para quem deseja se engajar no projeto, onde encontrar mais informações?
Aloisio Nascimento: O site do Ministério Público do Paraná disponibiliza informações sobre o projeto Municípios Antirracistas. Além disso, qualquer cidadão pode denunciar casos de racismo, seja em órgãos públicos ou privados, utilizando os canais do Ministério Público ou do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial. A denúncia é uma ferramenta fundamental para combater essa prática.

Metropolitano JC: A mulher negra enfrenta desafios ainda maiores na sociedade. Como o machismo impacta essa realidade?
Aloisio Nascimento: O machismo é estrutural e permeia toda a sociedade brasileira, atingindo todas as raças. No entanto, a mulher negra está na base da pirâmide social e econômica. Ela enfrenta os piores empregos e condições de trabalho, além de ser a principal vítima de violência doméstica. Mas também é fundamental reconhecer sua força e protagonismo, tanto no passado quanto no presente, na militância e na produção intelectual do movimento negro.

Metropolitano JC: Existe machismo dentro da comunidade negra?
Aloisio Nascimento: O machismo não escolhe cor, é uma característica estrutural da sociedade brasileira. No entanto, devido às desigualdades raciais, a mulher negra ocupa uma posição ainda mais vulnerável. Ela sofre o racismo e, dentro da sua própria comunidade, o machismo.

Metropolitano JC: Para finalizar, qual a principal mensagem que o senhor gostaria de deixar sobre a luta antirracista?
Aloisio Nascimento: Precisamos de um compromisso coletivo para construir uma sociedade verdadeiramente igualitária. As políticas públicas são fundamentais, mas a conscientização social e o engajamento da população são ainda mais importantes. Enquanto houver racismo, a sociedade como um todo estará doente. Denunciar, educar e promover a inclusão são as chaves para a mudança.

 

Jornal Metropolitano JC.

 

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